Por Caio Fernandes
Não havia jeito mais agradável de começar o dia do que correndo atrás do ônibus. Por sorte o motorista, velho de linha, parou e esperou. Um fraco “bom dia” foi expulso dos pulmões, junto de um aceno de cabeça, enquanto subia os degraus. Estava todo destruído. Suas roupas amarrotadas estavam manchadas de suor e um cheiro desagradável começava a nascer. Dentro do coletivo, mil e uma faces anônimas se amontoavam em frente à porta, localizada depois da catraca, preparando-se para o “empurra-empurra” da descida e, pior, num ponto em que todos iriam saltar.
Nos dias bons achava graça da pressa e do comportamento quase selvagem que a cidade impunha aos seus habitantes. Aquele dia não era um deles. Tomou uma cotovelada de alguém e empurrou em resposta. Ouviu uma voz de mulher gritar com ele. Mandou-a calar a boca, recebendo ameaças em resposta.
Caminhou em direção ao trabalho. Na calçada um bêbado dormia o sono dos justos enquanto uma senhora pedia dinheiro para comprar bebida e cigarros. O cheiro era ruim, mas não tapou o nariz, como faziam todos os que passavam. Se havia aprendido algo naquela selva é que uns dias eram dos caçadores e outros das caças. Todos os que passavam, cedo ou tarde, encontrariam um predador maior que lhes taparia o nariz, assim como faziam com o bêbado. O suor já não manchava tanto a sua roupa e ele recuperara uma certa dignidade superficial, tão valorizada por todos. Apertou o interfone, deu um “bom dia” rude ao porteiro e subiu correndo pelas escadas, estava atrasado.
Lá entrando o chefe lhe esperava com um sorriso agressivo. Seu trabalho estava jogado em toda a mesa. Correra tanta só para ouvir o patrão dizer: “Além de fazer trabalho porco, o senhor é um. Está fedendo a suor. Não toma banho?”
Não respondeu e acertou-o no nariz. O sangue manchou a camisa do patrão. Não ligava. Deu as costas e foi embora, se preocuparia com emprego depois. Sabia que demoraria meses e meses para encontrar outro.
Montou num ônibus, de volta para casa. Motorista e cobrador desconhecidos, mas a mesma, boa e velha, multidão represada na porta após a catraca. Chegou em casa, tomou uma cerveja gelada com um sorriso. Deitou na cama, mas não dormiu, passou o dia vendo Tv. De noite dirigiu-se ao bar para gastar as economias no bilhar. Chegou de madrugada. Não se importou, já que no dia seguinte poderia acordar ao meio dia.
Caio Fernandes e aluno de História e escreve com frequência em seu blog: Ensaio do Plebeu