Por Taís Araújo e Reinaldo Souza
Lutar contra o machismo no século XXI pode parecer, para muitas pessoas, anacrônico e sem sentido. O discurso mais escutado quando alguém coloca esse debate em pauta é aquele que afirma que não vivemos mais numa sociedade machista, que as mulheres não enfrentam mais preconceitos no ambiente de trabalho, afinal quantas engenheiras e políticas não existem hoje em dia?!
A banalização do tema e a afirmação categórica de que o machismo já está superado é o primeiro indicativo da necessidade de discuti-lo. O termo machismo é uma designação para um conjunto de práticas identificadas como próprias do homem, tanto na sua relação com as mulheres quanto com outros homens, visando a adequação a um determinado padrão de “masculinidade”.
É inegável que, comparando-se a situação da mulher do final do século XIX com a da mulher do final do século XX, esta última goza de maior autonomia sobre sua própria vida e de direitos que aquela não gozava. Entretanto, em vez de, com base nisso, constatar que não há mais sentido discutir o assunto, propomos outra questão: a despeito das conquistas feministas ao longo do século XX e da sua inserção em ambientes outrora concebidos como exclusivamente masculinos, podemos afirmar que vivemos em uma sociedade em que a igualdade de direitos e condições sociais de vida e trabalho entre homens e mulheres existe de fato e, mais do que isso, é aceita como desejável? Uma rápida análise da realidade concreta apontará para uma resposta negativa.
Durante séculos percebemos a ocorrência de inúmeros relatos e citações de homens em relação à inferioridade feminina. As mulheres foram vistas por muito tempo como inferiores, submissas, de pensamento “fraco”, de temperamento “inconstante” e fisicamente incapazes de exercer as funções essenciais para a produção e o sustento da família. O homem venceu pela força e manteve-se no domínio da família por séculos na civilização ocidental.
Um dos grandes expoentes da luta feminista no início do século XX foi o movimento sufragista. Ao reivindicar o direito ao voto, as mulheres questionavam algo mais profundo, qual seja, a própria estrutura social no que tange aos papéis de gênero. Afinal, até então as mulheres eram mantidas alijadas dos assuntos públicos; seu papel social era exclusivamente doméstico, sua atenção deveria estar voltada para a família, papel reforçado pela Igreja e reproduzido por gerações.
Essa situação foi mudada principalmente com a revolução sexual no século XX. Os anos 60 foram o pico dessa transformação. A invenção da pílula anticoncepcional deu controle à mulher sobre a hora de ter filhos. Com a pílula, a mulher poderia escolher a hora de engravidar, independente de seu companheiro. Os hábitos e costumes da juventude também mudaram bastante. Valores como liberdade sexual estavam na cabeça dos jovens da época. Para as mulheres, especialmente, escolher a hora de casar, com quem e em que idade namorar, foi um grande passo cultural.
Percebe-se, pelo breve panorama acima apresentado, que a relativa autonomia que a mulher alcançou no século XX, bem como a quebra de várias das correntes que a prendiam, foi fruto de intensas lutas, com a mulher se colocando como sujeito de sua história. No entanto, algumas amarras se mantém. Apesar da inserção massiva da mulher no mercado de trabalho, a maioria delas continua em postos de menos prestígio e quando ocupam as mesmas funções do homem continuam ganhando menos que eles. A divisão de tarefas do lar, na maioria dos lares, continua desigual, sendo que a mulher é responsável por grande parte delas. É premente, portanto, identificar quais os atuais desafios, quais as bandeiras que devem ser levantadas e quais devem ser deixadas de lado para que se conquiste a plena emancipação da mulher e para a supressão definitiva do machismo.
Assim, parece-nos importante a desconstrução da idéia de gênero como algo natural, apregoando uma suposta “alma feminina” ou “alma masculina”. Gênero não é algo intrínseco a cada ser, mas algo que é construído socialmente. Portanto, saindo dessa idéia “essencialista”, podemos estabelecer relações mais saudáveis. Nesse marco, é importante destacar que a luta feminista não é equivalente ao ódio da mulher pelo homem, mas sim por igualdade de condições e de direitos, não somente de um ponto de vista jurídico, mas humano.
Um outro ponto a ser considerado é a associação entre luta feminista e luta de classes, a opinião de que as questões de gênero devem ser abordadas nos marcos dos modos de produção. Em parte, parece-nos válido tal consideração. É inegável que as mulheres trabalhadoras têm problemas adicionais às mulheres “burguesas”, e que há diferença de classes entre as mulheres, o que está contemplado nas considerações sobre diferenças feitas acima. . No entanto, embora concordemos com a formulação de que o machismo só poderá ser plenamente superado em outro modelo de sociedade, em uma sociedade socialista, isso não implica dizer que não se deve lutar desde já por sua supressão, mas sim que os movimentos feministas devem ser, também, anti-sistêmicos.
Para finalizar, destacamos que o machismo e a delimitação do papel social da mulher numa posição subalterna é uma questão política, mas também (e principalmente) cultural. Portanto, as mudanças no entendimento das questões de gênero e nas relações entre homens e mulheres ocorrem de forma mais lenta que as conquistas políticas que o movimento feminista possa obter. As construções dos papéis sociais e de gênero são reproduzidas por diversas instituições, como a família, a religião e até mesmo a escola supostamente laica, o que reforça sua permanência. Basta observar que muitas mulheres, ainda hoje, consideram normal que o homem trabalhe para sustentar a família e que a mulher cuide da casa e dos filhos. Desse modo, a luta feminista deve ser constante, visando não somente as conquistas políticas, mas sobretudo a conscientização e a desconstrução de arcaicos paradigmas que ainda insistem em reger a nossa vida social.
Taís e Reinaldo são alunos do quarto ano de História
Lutar contra o machismo no século XXI pode parecer, para muitas pessoas, anacrônico e sem sentido. O discurso mais escutado quando alguém coloca esse debate em pauta é aquele que afirma que não vivemos mais numa sociedade machista, que as mulheres não enfrentam mais preconceitos no ambiente de trabalho, afinal quantas engenheiras e políticas não existem hoje em dia?!
A banalização do tema e a afirmação categórica de que o machismo já está superado é o primeiro indicativo da necessidade de discuti-lo. O termo machismo é uma designação para um conjunto de práticas identificadas como próprias do homem, tanto na sua relação com as mulheres quanto com outros homens, visando a adequação a um determinado padrão de “masculinidade”.
É inegável que, comparando-se a situação da mulher do final do século XIX com a da mulher do final do século XX, esta última goza de maior autonomia sobre sua própria vida e de direitos que aquela não gozava. Entretanto, em vez de, com base nisso, constatar que não há mais sentido discutir o assunto, propomos outra questão: a despeito das conquistas feministas ao longo do século XX e da sua inserção em ambientes outrora concebidos como exclusivamente masculinos, podemos afirmar que vivemos em uma sociedade em que a igualdade de direitos e condições sociais de vida e trabalho entre homens e mulheres existe de fato e, mais do que isso, é aceita como desejável? Uma rápida análise da realidade concreta apontará para uma resposta negativa.
Durante séculos percebemos a ocorrência de inúmeros relatos e citações de homens em relação à inferioridade feminina. As mulheres foram vistas por muito tempo como inferiores, submissas, de pensamento “fraco”, de temperamento “inconstante” e fisicamente incapazes de exercer as funções essenciais para a produção e o sustento da família. O homem venceu pela força e manteve-se no domínio da família por séculos na civilização ocidental.
Um dos grandes expoentes da luta feminista no início do século XX foi o movimento sufragista. Ao reivindicar o direito ao voto, as mulheres questionavam algo mais profundo, qual seja, a própria estrutura social no que tange aos papéis de gênero. Afinal, até então as mulheres eram mantidas alijadas dos assuntos públicos; seu papel social era exclusivamente doméstico, sua atenção deveria estar voltada para a família, papel reforçado pela Igreja e reproduzido por gerações.
Essa situação foi mudada principalmente com a revolução sexual no século XX. Os anos 60 foram o pico dessa transformação. A invenção da pílula anticoncepcional deu controle à mulher sobre a hora de ter filhos. Com a pílula, a mulher poderia escolher a hora de engravidar, independente de seu companheiro. Os hábitos e costumes da juventude também mudaram bastante. Valores como liberdade sexual estavam na cabeça dos jovens da época. Para as mulheres, especialmente, escolher a hora de casar, com quem e em que idade namorar, foi um grande passo cultural.
Percebe-se, pelo breve panorama acima apresentado, que a relativa autonomia que a mulher alcançou no século XX, bem como a quebra de várias das correntes que a prendiam, foi fruto de intensas lutas, com a mulher se colocando como sujeito de sua história. No entanto, algumas amarras se mantém. Apesar da inserção massiva da mulher no mercado de trabalho, a maioria delas continua em postos de menos prestígio e quando ocupam as mesmas funções do homem continuam ganhando menos que eles. A divisão de tarefas do lar, na maioria dos lares, continua desigual, sendo que a mulher é responsável por grande parte delas. É premente, portanto, identificar quais os atuais desafios, quais as bandeiras que devem ser levantadas e quais devem ser deixadas de lado para que se conquiste a plena emancipação da mulher e para a supressão definitiva do machismo.
Assim, parece-nos importante a desconstrução da idéia de gênero como algo natural, apregoando uma suposta “alma feminina” ou “alma masculina”. Gênero não é algo intrínseco a cada ser, mas algo que é construído socialmente. Portanto, saindo dessa idéia “essencialista”, podemos estabelecer relações mais saudáveis. Nesse marco, é importante destacar que a luta feminista não é equivalente ao ódio da mulher pelo homem, mas sim por igualdade de condições e de direitos, não somente de um ponto de vista jurídico, mas humano.
Um outro ponto a ser considerado é a associação entre luta feminista e luta de classes, a opinião de que as questões de gênero devem ser abordadas nos marcos dos modos de produção. Em parte, parece-nos válido tal consideração. É inegável que as mulheres trabalhadoras têm problemas adicionais às mulheres “burguesas”, e que há diferença de classes entre as mulheres, o que está contemplado nas considerações sobre diferenças feitas acima. . No entanto, embora concordemos com a formulação de que o machismo só poderá ser plenamente superado em outro modelo de sociedade, em uma sociedade socialista, isso não implica dizer que não se deve lutar desde já por sua supressão, mas sim que os movimentos feministas devem ser, também, anti-sistêmicos.
Para finalizar, destacamos que o machismo e a delimitação do papel social da mulher numa posição subalterna é uma questão política, mas também (e principalmente) cultural. Portanto, as mudanças no entendimento das questões de gênero e nas relações entre homens e mulheres ocorrem de forma mais lenta que as conquistas políticas que o movimento feminista possa obter. As construções dos papéis sociais e de gênero são reproduzidas por diversas instituições, como a família, a religião e até mesmo a escola supostamente laica, o que reforça sua permanência. Basta observar que muitas mulheres, ainda hoje, consideram normal que o homem trabalhe para sustentar a família e que a mulher cuide da casa e dos filhos. Desse modo, a luta feminista deve ser constante, visando não somente as conquistas políticas, mas sobretudo a conscientização e a desconstrução de arcaicos paradigmas que ainda insistem em reger a nossa vida social.
Taís e Reinaldo são alunos do quarto ano de História