terça-feira, 21 de abril de 2009

Entrevista com o professor István Jancsó

Por Bruno Roma e Isadora do Val


Confira a primeira parte da entrevista com Istvan Jiancso, professor doutor do departamento de História da USP. O professor que teve seu primeiro contato com a faculdade nos anos 60 conversou no IEB com os alunos do segundo ano Bruno e Isadora.
Revista do CAHIS: Entrar na USP. Hoje em dia há um orgulho imenso por se entrar na USP, no entanto não tão grande quando se trata de História. Como era isso no tempo da graduação do senhor?
István: Entrar na USP era uma coisa extraordinária naquele tempo. E entrar na História era uma coisa extraordinária naquele tempo. Não esqueça que naquele tempo a faculdade de filosofia, e, portanto a História, era o eixo da universidade. Eu entrei no curso em 1960, e terminei no final de 1963, e naquele tempo ser aluno da USP era o Maximo, e não havia diferença se da História, Geologia, Matemática, enfim... Tudo isso era a faculdade de filosofia, ciências e Letras. O pessoal esquece que a Maria Antonia era composta por faculdades que estão hoje na FFLCH e outras que estão fora, como Psicologia, Química, Etc., e isso era a nossa faculdade, independentemente do departamento aquilo era um privilégio... E no nosso caso, da faculdade de filosofia, tínhamos tremendos professores... Era muito menos gente, obviamente... E as pessoas se esquecem, por exemplo, o porquê a faculdade de letras é de manhã, e História, Geografia são de tarde... Por que o prédio era pequeno, e pra acomodar tudo isso era preciso... E os professores com a rotina consolidada, de manhã e de tarde, mantiveram sua vida... Eu me aposentei agora, pela compulsória, e acho sou um dos últimos da minha geração... A maioria dos meus colegas, eu acho que não sabe por que História é de tarde e Letras de manhã... Veja como a nossa faculdade é conservadora... Justamente por uma questão de adequação ao espaço, isso permaneceu por mais de 50 anos...
Era um pequeno espaço, muito menos pessoas, o departamento de História devia ter 12 professores... Na verdade no começo era diferente... Eu ainda não peguei essa fase quem pegou foi Fernando Novais que se formou quatro anos antes que eu, e por isso fez o curso de História e Geografia... Daí depois separaram e eu fiz só História...
Revista: O senhor acha que não havia o peso que a palavra 'licenciatura' traz pra alguns cursos?
István: Não... Porque não havia essa recusa do ensino médio como profissão... Havia concurso pra ensino médio e isso era valorizado... Os salários não eram altos, mas também não eram esse desastre que são hoje pra ensino público... Eu estudei a minha vida toda em escola pública, e tive professores intelectuais de qualidade... E eu queria ser professor, não sabia que se podia ser historiador quando eu entrei... Era uma profissão muito respeitada naquele tempo... O curso era respeitado e a profissão era respeitada... Não era essa coisa desprezível que a classe média faz parecer... Mas cada país tem a classe média que é capaz de produzir, a nossa é esse desastre...
Revista: Sobre a relação dos alunos com os professores. Hoje em dia no departamento a relação é extremamente rasa, extra-acadêmicamente nem isso... Como era naquele tempo?
István: Como dizem na Bahia, tinha de um tudo... Dependia muito, primeiro: a estrutura do departamento era uma coisa extinta, felizmente extinta, chamada Cátedra... Então os departamentos eram formados por cadeiras, essas cadeiras eram unidades de pequenas constelações de professores gravitando sobre uma figura que era o catedrático... Tinha concurso para ser catedrático, e todos os outros cargos de assistente, instrutor e essas coisas eram por convite do catedrático que montava a cadeira à feição dele... Quando o catedrático era uma pessoa de muita qualidade, era altíssima a probabilidade da constelação toda ser de muito boa qualidade... E quando o catedrático era um desastre, existia isso também, o conjunto era desastroso... A relação dos alunos com os professores era sempre respeitosa, muito mais respeitosa do que hoje... Assim como a relação entre pais e filhos mudou, Santo Deus! Estou falando de meio século... O fato é que eu nunca imaginei chamar, até o falecimento dele, o França de França... Se ele estivesse vivo eu continuaria a chamar de professor França... Havia uma hierarquia, que tinha aspectos positivos quando o catedrático cumpria o papel de liderança intelectual, e era uma barreira quando o catedrático era uma anta...
Revista: Pode-se dizer que embora mais formal a relação fosse mais próxima, ou talvez até afetiva?
István: Depende. Era mais próxima, o que significa que a possibilidade de atrito era mais imediata, e a possibilidade de relação mais consistente, duradoura também era maior... Eu tenho uma imagem que gosto de usar sobre a diferença entre a nossa situação e a de vocês. Pense numa viagem de ônibus, então a nossa era o seguinte: embarcávamos em São Paulo e depois de um tempo, passando por Belo Horizonte, Salvador e Recife todo mundo chegava a Belém do Pará... Nessa viagem todo mundo acabava se conhecendo um pouco, uns mais outros menos... Agora vocês é como se embarcassem na Capela do Socorro, num ônibus lotadíssimo, pra descer na Praça da Bandeira e entra gente, sai gente, e acaba só sobrando tempo pra lembrar de quem pisou no teu pé, ou da menina com quem você ficou flertando...
Revista: Hoje em dia não há mais seriação ou grade fechada como no tempo do senhor... O senhor vê isso como uma vantagem ou desvantagem?
István: Eu sou absolutamente a favor da grade aberta... Isso é um ganho, o que eu acho que é uma perda é a massificação das turmas... Eu até consigo entender que na chamada aula expositiva, que por imprecisão às vezes se chama de aula teórica, não haja muita importância se você tem vinte, cinqüenta ou cento e cinqüenta alunos... Mas o diabo é que essas turmas gigantescas não facilitam um espaço de aprendizado na prática, então os seminários são muito difíceis... No meu tempo, com vinte alunos, todo mundo tinha pelo menos dois seminários por semestre, e era fácil produzir uma alternativa, mas como fazer isso numa turma com oitenta alunos? Temos doze sessões por semestre, como no cinema, com oitenta alunos, isso significa quase oito alunos por grupo! Isso sem falar em feriados, tempo de provas e essas coisas todas... O grupo apresenta o assunto e estamos conversados, entende? Ficam ticando os seminários que nem os bandidos ticavam o coldre do revólver no faroeste, opa, matei mais um!