terça-feira, 21 de abril de 2009

Crônica de festa de escolinha

por Viviane Longo

Na escolinha, noite de apresentação. Os portões só abririam às 19:30, 19:00 é hora de os desavisados chegarem e o porteiro dizer-lhes que só abrirá dali a meia hora. Ficam sentados nos banquinhos esperando, observando, tricotando.
Homens e mulheres chegando, mais e mais crianças, um ou outro adolescente - desprovidos da mágica máscara da paciência ou da anuência, uns entediados, outros observando e comentando, sob risos - tios, avós, parentes das crianças-show.
Um casal distinto, bem vestido, pára e olha de modo perpendicular (de cima para baixo) as pessoas à sua volta afinal, eles vieram numa carruagem de abóbora cheia de “glitter”, por isso aquele olhar desdenhoso e típico dos que têm sangue azul e sobrenome conhecido na pequena cidade.
Outro casal passa com os filhos, e repete o gesto.
Mais outro, e outro, e assim sucessivamente.
Talvez 1% de quem estivesse ali na calçada não se encaixasse no padrão exigido, não seguisse o ISO da sociedade, ou não tivesse sobrenome conhecido. Adivinha para onde convergiam os olhares “elitóides”? Exato. Para o 1%. Mas não porque estivessem chamativos, é que estavam pisando em território nobre, ainda mais com roupas simples, inadequadas para aquele contexto. Já falei, é que não tinham sobrenome adequado.
Muitos deles se conheciam, estalos de beijo pra cá, apertos de mão pra lá, sorrisos duros pra todos os lados. E a conversa rolava:
- Que carro!
- Que bolsa! Quanto pagou?
- Que cabelo! Onde arranjou?
- Que pele! Em que viagem?
- Que marido! ops, isso foi um pensamento ; sabe como é né, uns conhecem mais e melhor os maridos e esposas do que os próprios maridos e esposas.
- Que gentalha por aqui hoje, hein! outro pensamento, esse, geral.
Bateu 19:30.
A nata, como sempre, ansiosa para sobressair do bule começou a se agitar para entrar na escolinha.
Suas abóboras fecharam a rua, dali a ralé não passaria. Tudo bem, estavam seguros.
Sem perder a pose, ou o salto alto ou o “Rolex”, o gado transpassou a porteira. Hora de se acomodar nos bancos para assistir à apresentação.
Burburinhos, risadas, mais cumprimentos , mais hipocrisia, mais alegria! E passos, e “toc-tocs”, rumo aos assentos.
A diretora pegou o microfone e pediu-lhes que, educadamente, se apertassem um pouco mais para que outras pessoas (retardatários) se fixassem em seus lugares.
Dez minutos depois, todas as “Colcci”, “Dolce & Gabana”,” Diesel”, ”Lacoste”, “Victor Hugo”, “Louis Vouilton”, “Opera Rock” estavam cobrindo corpos iguais bem sentados.
E mais burburinho.
Mais cinco minutos até começar o silêncio, este é claro pedido educadamente pela diretora. Afinal todos ali são bem educados, civilizados e sabem quando é hora de ficarem quietos, de pararem de empurrar, de sorrirem, de aplaudir. Saídos da mesma forma, se reconhecem, se respeitam, se amam. A etiqueta sempre falando mais alto.
Começa o espetáculo, crianças cantando, dançando, recitando textos, uma superficial profundidade colorida, válida; todas as crianças pintadas e fantasiadas para incorporar uma idéia. Uma bela mensagem, um tema rico, pouca assimilação: a elite veio bater cartão e só. Prestigiar os filhos também, é claro.
Três quartos do que as crianças disseram, virou foto, um quarto foi absorvido. A escola fez um excelente trabalho naquele ano introduziu nas crianças a “decoreba”, que maravilha!
Para finalizar, um agradecimento emocionado, sincero, a todos os presentes e uma frase para semear nas roupas ali sentadas e nas pessoas também uma consciência: o ideal primário daquela noite.
Que noite! Que dó! As crianças mal sabiam do que falavam ali, mal sabiam da decência e civilidade dos pais, mal sabiam que representam o futuro do país, mal sabiam que a maioria das pessoas ferve o leite, côa a nata e joga fora.