terça-feira, 21 de abril de 2009

Bastidores legais

Por Bruno Mahamad


Parte I
A visão de mundo que a televisão nos vende quase nunca retrata o impacto das realidades sociais com a fidelidade que estas merecem. Lembremo-nos, por exemplo, das muitas matérias com a temática “Pobreza e suas consequências” mostradas frequentemente em programas televisivos como “Globo Repórter”. Essas matérias, que julgam ter caráter denunciativo, fazem de seu produto uma análise rasa e simplista das mazelas sócio-econômicas que escolhem como material de trabalho, além de se manterem omissos quanto à procura de soluções para os problemas que apresentam, mostrando assim notável falta de empatia social.
A pobreza, enquanto instituição das sociedades urbanas e rurais, tem múltiplas utilidades às elites midiáticas e políticas por fazer de suas vítimas, os pobres, ótima matéria-prima para exploração servil a baixo ou médio custo; bons protagonistas para documentários, propagandas comerciais, apelos filantrópicos, novelas, entre outros; e por fim garotos-propaganda de programas políticos eleitorais que veem na pobreza grandes virtudes e importâncias, mas apenas durante o período que antecede as eleições. E é sobre os papéis artísticos assumidos pelos “pobres” em documentários televisivos e propagandas eleitorais que o restante do texto pretende falar
As atrações jornalísticas exemplificadas no primeiro parágrafo fazem quem assiste pensar equivocadamente que o engajamento social é a principal intenção de quem o produziu, e que os telespectadores cumprem com suas obrigações e sensos sociais apenas por assistirem o reflexo das desigualdades sentados confortavelmente em suas casas, alimentando a idéia de que não contribuem em nada com o que é mostrado. Tais juízos são criados graças ao modo como esses temas são abordados e explicados pelos responsáveis pelas “denúncias” apresentadas.
A inversão de valores pode ser notada quando há dramatização dos problemas, ao invés de ser priorizada a gravidade e as importâncias sócio-político-administrativas das irregularidades apresentadas. Por exemplo: em certa reportagem sobre a imigração ilegal e o trabalho semi-escravo em grandes cidades brasileiras os autores da matéria mesclaram denúncias, trilha sonora com músicas melancólicas, crônicas e entrevistas. Do ponto de vista comercial, a mistura desses itens deixou o produto final atraente, mas ao final do espetáculo a proposta essencial, que era a de incentivar a população a agir em favor dos imigrantes oprimidos, não foi cumprida. Por quê? O excesso de efeitos dramáticos em matérias que se pretendem denunciativas acaba desvirtuando a proposta principal, que é a de denunciar e estimular a ação. Quando todas as dificuldades dos desfavorecidos são mostradas com enfoque comercial há um bloqueio a qualquer chamado à mobilização, além de nos passar várias idéias equivocadas: de que aquele caso é só mais uma história com final triste e inevitável; de que por estarmos distantes somos incapazes de mudar essa realidade em qualquer instância; e de que toda culpa deve ser dada às autoridades. Ou seja, o uso demasiado de recursos comerciais em matérias com esse cunho acaba retirando a seriedade da situação retratada, e ao final aliena os telespectadores da luta por melhores condições de vida e trabalho para todos. Portanto, pode-se dizer que o jornalismo dramático das grandes empresas de comunicação é um dos causadores do infeliz desinteresse da sociedade brasileira por lutas sociais.
Outra crítica pertinente é a que se refere à falta de embasamento histórico e cultural encontrada nesses trabalhos que buscam reportar problemas econômicos utilizando apenas a contemporização, o uso restrito de atualidades regionais, deixando de teorizar as dificuldades sociais se valendo das origens históricas das relações estabelecidas entre os cidadãos - Por exemplo, o conhecimento das raízes das relações de poder entre escravos e fazendeiros é importantíssimo para que conheçamos as origens de desenvolvimento do preconceito racial em nossa sociedade. Já entendido o papel da História como importante ferramenta na análise das sociedades, por que então é abstraída quando o que está em voga é justamente uma característica social? A resposta pode estar no fato de que um trabalho muito elaborado e detalhado como esse poderia diminuir o interesse dos telespectadores, logo o valor comercial do produto oferecido. Essa mentalidade é uma ofensa à capacidade intelectual dos telespectadores, primeiro por julgar ser a população um consumidor simplista e inepto à assimilação de novos conhecimentos; segundo por fazer da matéria jornalística uma análise incompleta e inconsistente, vendendo, dessa forma, um produto ruim e falsificado aos consumidores, nós os telespectadores. Sendo assim, a capitalização do jornalismo, nesse caso, acaba por distorcer os fatos e minimizar o potencial analítico da população, o que em última análise serve muito bem aos interesses elitistas de manipular o pensamento e massificar o conhecimento!