segunda-feira, 9 de março de 2009

Extremismo e razões de Estado em uma guerra sem fim*

por Edson Pedro

Israelenses versus palestinos. Muitos opinam, alguns polemizam, mas uma boa parcela das pessoas não compreende exatamente as origens desse conflito. A maioria das opiniões a respeito da questão geralmente se baseia em posições ideológicas, crenças religiosas ou apaixonadas ligações étnicas com alguma das partes envolvidas. Qualquer discussão envolvendo o tema gera reações apaixonadas. De um lado há os que defendem as ofensivas de Israel, em nome da "defesa preventiva" e da "guerra contra o terror", combatendo os radicais que não reconhecem o Estado judeu, lançando mísseis contra cidades ou planejando ataques terroristas. Do outro estão aqueles que apontam o caráter da longa ocupação israelense nos territórios palestinos e a face pouco humanitária, para não dizer cruel, que o governo dá a essa ocupação, além da inegável superioridade militar. Mas mesmo as avaliações menos comprometidas são capazes de reconhecer injustiças.
A mais recente ofensiva na Faixa de Gaza acirrou os debates a respeito do tema e pela primeira vez parece ter despertado a desaprovação mundial das ações unilaterais do governo israelense.
A História muitas vezes é recuperada, quase sempre com erros grosseiros de interpretação ou manipulações propositais, para justificar guerras longas ou conflitos pontuais. Uma estratégia com conclusões geralmente equivocadas. Os que condenam Israel recuperam o passado recente, fazendo comparações entre o tratamento dos nazistas em relação aos judeus com o de Israel em relação aos palestinos. Já os que desaprovam as ações palestinas e apóiam Israel apelam para o anti-semitismo, afirmando que as agressões de países árabes e a ação de radicais palestinos têm em sua raiz o mesmo objetivo que o Holocausto, ou seja, a aniquilação do povo judeu. Muitas fazes a simples defesa dos palestinos é apontada como um ato anti-semita. Analogias injustas, em que pese a semelhança do sofrimento das populações civis nas duas situações históricas distintas.
O que não parece claro para muitos é que tanto do lado de Israel quanto do lado palestino e de países árabes escondem-se interesses e desejos muito mais complexos. Nessa complexidade reúnem-se a natureza da aliança entre Israel e os EUA, as muitas faces do sionismo, o uso político do apoio da Síria e do Irã à causa palestina, cujas intenções parecem pouco afeitas a uma solução pacífica, entre outras questões. Isso sem falar no extremismo em ambos os lados. Do lado de Israel pode-se apontar a quase inexistência de uma possibilidade de diálogo dos partidos de ultradireita, além de exigências que tornam impossível o estabelecimento de um estado palestino soberano. Nesse cenário, qualquer alusão a um "processo de paz" é meramente uma formalidade linguística.
Do lado palestino, as ações de grupos radicais que incitam a violência como único meio de resistir à ocupação, além do velho discurso de erradição do Estado judeu pelos grupos extremistas como o Hamas, geram obstáculos que travam o caminho para uma paz duradoura. Esta mesma postura dos radicais é usada em Israel para justificar suas ações militares, quase sempre com um saldo sangrento do lado mais fraco. Soma-se a isso a incapacidade dos líderes da Autoridade Palestina de estabelecerer uma união política com o único objetivo de criar um Estado que possa coexistir em relativa paz com Israel.
O muro que separa israelenses e palestinos na Cisjordânia, tomando grande parte do território originalmente destinado à criação do estado àrabe, é mais uma face das polêmicas ações de Israel para supostamente combater ações terroristas. Razões de Estado que sequer levam em conta as resoluções da ONU, recorrentemente ignoradas por Israel com respaldo norte-americano, a respeito da região. O muro do Cisjordânia, a questão das colônias israelenses em territórios palestinos e as constantes violações dos direitos humanos por parte de Israel reforçam a tese dos que afirmam que as autoridades israelenses na realidade ainda não consideram a hipótese da efetiva criação de um Estado palestino.
Como se vê, a questão é mais profunda do que simplesmente a defesa apaixonada de um dos lados. Apontar a brutalidade da última ofensiva militar israelense em Gaza, cujo saldo passa de 900 mortos, não significa apoiar ações extremistas de grupos que resistem a um acordo de paz. Reconhecer o direito de Israel de defender-se de ataques de milicianos palestinos também não deve resultar em um apoio incondicional a uma ofensiva cujo saldo de mortos não pára de crescer, sobretudo entre civis.
Israel parece irredutível em seu objetivo de extirpar o Hamas, mesmo que o "efeito colateral" resulte em centenas de palestinos mortos. Fala-se em bombas de precisão, mas frequentemente os alvos atingem escolas, hospitais e instalações da ONU. Ignorar que o imenso número de civis mortos em Gaza não seja resultado de um massacre e falar em "efeito colateral" não é apenas um erro, mas um ato vergonhoso. A história das guerras indica que as bombas que caem sobre Gaza ajudarão a fertilizar o desejo de vingança por parte dos palestinos, minimizando ainda mais as chances de a região deixar de ser um campo de batalha. Ataques unilaterais com muitas baixas entre civis são um terreno propício para o radicalismo que brota das populações palestinas mais jovens, acuadas e sem perspectiva. Ao se comparar com outras ofensivas histórica deste longo conflito, as previsões não são nada tranquilas. Aos envolvidos ou não só resta torcer para que a paz venha ou que haja sensatez a quem está no comando. É o que o mundo espera.

Edson é formado em Biblioteconomia pela USP e está no quarto ano de História

*Este texto foi orinalmente publicado na seguinte página no dia 13 de Janeiro de 2009.